˾Esse é um trabalho de esclarecimento pessoal. Não tem pretensão de ser sofisticado, nem de atingir níveis acadêmicos.
Sua finalidade é ser útil para o desenvolvimento da minha espiritualidade. Caso sirva para você - fico feliz que leia.
˾Acompanho um historiador, professor na UNICAMP, que afirma ser a religiosidade de hoje customizada. Cada um adapta a
religião as suas necessidades. Minhas observações tendem a discordar, pois na nossa sociedade o que parece estar
customizado é o culto ao sucesso medido pelo cifrão. Qual o relacionamento disso com reencarnação? Não sei ao certo.
Esse é um dos objetivos do texto.
˾No caso da mediunidade, noto que a sensação que realça é o desconforto. Aliás, o desconforto tem um destaque enorme.
Tanto quanto na outra ponta os materialistas dão destaque ao sucesso medido pelo dinheiro e tornam nossas organizações
tão frágeis, tão “fluidas”.
˾Qual o verdadeiro relacionamento do dinheiro com a ética da ciência? Não sei ao certo.
É outro dos objetivos desse trabalho.
˾Desta maneira, livre das amarras de um texto lógico, concatenado ou sequer
estruturado, começo entendendo o significado linguístico da palavra prova, de anacronismo, transcrevo um resumo bem
elaborado do que é ciência e mostro uma quantidade enorme de posições sobre a reencarnação, mesmo que muito
contraditórias.
˾Para refutar as críticas destrutivas da minha consciência e permitir um texto civilizado, vou
percorrer um longo caminho, pois preciso ser claro ao contrapor minha posição àqueles que considero radicais, sejam
eles radicais religiosos, radicais ateus, radicais filosóficos, ou mesmo os radicais científicos. Talvez fosse mais
exato dizer que estarei me perdendo numa floresta de divagações.
˾No entanto, manterei uma postura sempre
preponderante. Vou me distanciar o máximo possível de postulados baseados em “provas”. Afinal, Deus nos deu o Supremo
Livre Arbítrio de acreditar e fazer nosso próprio caminho, tanto que o mestre Jesus é bem claro em Mateus 7:13;14 e
Lucas 13:23;24:
˾Entrai pela porta estreita; porque larga é a porta, e espaçoso o caminho que conduz à perdição, e muitos são os que entram por ela; E porque estreita é a porta, e apertado o caminho que leva à vida, e poucos há que a encontrem. Mateus 7:13;14 ˾E disse-lhe um: Senhor, são poucos os que se salvam? E ele lhe respondeu: Porfiai por entrar pela porta estreita; porque eu vos digo que muitos procurarão entrar, e não poderão. Lucas 13:23,24
˾Qual seria no dicionário o significado da palavra prova? Segundo a definição para esse caso, prova é ato que demonstra plenamente a existência de algo. Concluo que usar essa palavra seria uma maneira robusta do ser humano tentar impor sua opinião. ˾Já o conceito de anacronismo é situar - em uma época - personalidades, acontecimentos, ideias e sentimentos ou estilos próprios de outra. Assim, muitas vezes, esse conceito se torna arma de ataque e defesa dos príncipes do orgulho. Irônicos, tratam os textos de outra época, alguns com milhares de anos, como se tivessem sido escritos ontem. Na mesma argumentação, usam textos próprios e totalmente adaptados a realidade atual para impor sua posição.
O QUE É CIÊNCIA? SILVIO SENO CHIBENI
Departamento de Filosofia - IFCH - Unicamp
chibeni@unicamp.br - http://www.unicamp.br/~chibeni
˾Este trabalho apresenta para um público geral algumas das principais concepções de ciência defendidas por filósofos
da ciência desde o surgimento da ciência moderna, no século XVII. Procura-se destacar que essas concepções evoluíram
na direção de uma melhor adequação ao que de fato se verificou na história da ciência.
Índice:
1. A visão comum de ciência
2. Objeções à visão comum da ciência
3. Popper e o falseacionismo
4. Limitações do falseacionismo
5. Lakatos: uma visão contemporânea da ciência
Referências
1. A visão comum de ciência
˾Constitui crença generalizada que o conhecimento fornecido pela ciência distingue-se por um grau de certeza alto,
desfrutando assim de uma posição privilegiada com relação aos demais tipos de conhecimento (o do homem comum, por
exemplo). Teorias, métodos, técnicas, produtos, contam com aprovação geral quando considerados científicos.
A autoridade da ciência é evocada amplamente. Indústrias, por exemplo, freqüentemente rotulam de “científicos”
processos por meio dos quais fabricam seus produtos, bem como os testes aos quais os submetem. Atividades várias
de pesquisa nascentes se auto-qualificam “científicas”, buscando afirmar-se: ciências sociais, ciência política,
ciência agrária, etc.
˾Essa atitude de veneração frente à ciência deve-se, em grande parte, ao extraordinário sucesso prático alcançado
pela física, pela química e pela biologia, principalmente. Assume-se, implícita ou explicitamente, que por detrás
desse sucesso existe um “método” especial, uma “receita” que, quando seguida, redunda em conhecimento certo,
seguro.
˾A questão do “método científico” tem constituído uma das principais preocupações dos filósofos, desde que a
ciência ingressou em uma nova era (ou nasceu, como preferem alguns), no século XVII. Formou-se em torno dela e de
outras questões correlacionadas um ramo especial da filosofia, a filosofia da ciência. Investigações pioneiras
sobre o “método científico” foram conduzidas por Francis Bacon (1561-1626). Secundadas no século XVII por declarações
de eminentes cientistas, como Galileo, Newton, Boyle, e, no século seguinte, pelos Enciclopedistas, suas teses
passaram a gozar de ampla aceitação até nossos dias, não tanto entre os filósofos, mas principalmente entre os
cientistas, que até hoje muitas vezes afirmam seguir o método baconiano em suas pesquisas. Isso é singular, visto
que os estudos recentes em história da ciência vêm revelando que os métodos efetivamente empregados pelos grandes
construtores tanto da ciência clássica quanto da moderna têm pouca conexão com as prescrições do filósofo
inglês.
˾De forma simplificada, podemos identificar nas múltiplas variantes dessa visão da atividade científica e da
natureza da ciência - a que chamaremos visão comum da ciência - algumas pressuposições centrais:
a) A ciência começa por observações. Bacon propôs que a etapa inicial da investigação científica
deveria consistir na elaboração, com base na experiência, de extensos catálogos de observações neutras dos mais variados
fenômenos, aos quais chamou “tábuas de coordenações de exemplos” (Novum Organum, II, 10). Como exemplo, elaborou ele mesmo
uma lista de exemplos de corpos quentes, visando a iniciar o estudo científico do calor. Essa tábua é então complementada
por duas outras, igualmente de longa extensão, reunindo “casos negativos” (corpos privados de calor) e casos de corpos
que possuem uma “disposição” para o calor.
b) As observações são neutras. As referidas observações podem e devem ser feitas sem qualquer
antecipação especulativa, sem qualquer diretriz teórica. A mente do cientista deve estar limpa de todas as
idéias que adquiriu dos seus educadores, dos teólogos, dos filósofos, dos cientistas; ele não deve ter nada
em vista, a não ser a observação pura.
c) Indução.As leis científicas são extraídas do conjunto das observações por um processo
supostamente seguro e objetivo, chamado indução, que consiste na obtenção de proposições gerais (como as
leis científicas) a partir de proposições particulares (como os relatos observacionais). Servindo-nos de uma
ilustração simples, a lei segundo a qual todo papel é combustível seria, segundo a visão que estamos apresentando,
obtida de modo seguro de um certo número de observações de pedaços de papel que se queimam. A lei representa,
pois, uma generalização da experiência. O processo inverso, de extração de proposições particulares de uma lei
geral, assumida como verdadeira, cai no domínio da lógica, sendo um caso de dedução. Durante a primeira metade
do século XX, uma plêiade de eminentes filósofos empreendeu aperfeiçoar aquilo que vimos denominando de concepção
comum de ciência, em um sofisticado programa filosófico, conhecido como positivismo lógico. Esse movimento,
cujo núcleo original formou-se em torno do chamado Círculo de Viena, na década de 1920, exerceu uma influência
marcante sobre a comunidade científica, que perdura até nossos dias, não obstante críticas severas ao positivismo
lógico haverem surgido ainda na década de 1930.
2. Objeções à visão comum da ciência
˾Iniciemos nossa simplificada exposição das objeções à visão comum da ciência examinando brevemente a questão
da justificação da indução. Dentro do âmbito restrito de nossa discussão, o processo dedutivo não apresenta
maiores dificuldades; podemos assumir que se a verdade de uma proposição estiver assegurada, também o estará
a de todas as proposições que dela decorrerem dedutivamente, pelo uso das leis da lógica. Tais leis, no entanto,
não asseguram a validade do processo indutivo. Voltando ao nosso exemplo, nenhum conjunto de observações de
incineração de pedaços de papel, por maior e mais variado que seja, é suficiente para justificar logicamente a
lei segundo a qual todo papel é combustível. Não há contradição formal, lógica, em se afirmar que embora todos
os pedaços de papel já examinados tenham se queimado, esta folha não é combustível. Isso pode contrariar o
senso-comum, as leis da química e da física, mas não as da lógica.
˾Eliminada a possibilidade de justificação lógica, resta, segundo os pressupostos empiristas dos próprios
defensores dessa concepção, unicamente a justificação empírica. No entanto, os filósofos John Locke e David
Hume apontaram, nos séculos XVII e XVIII, que a justificação empírica da indução envolve dificuldades
insuperáveis.
˾Essa constatação veio a exercer uma enorme influência na filosofia, estimulando, por um lado, a retomada
de doutrinas racionalistas (Kant) e, por outro, a reformulação dos objetivos empiristas, com o reconhecimento
de que o ideal original de certeza e infalibilidade do conhecimento geral do mundo exterior não pode ser
atingido. Procurou-se, assim, determinar condições nas quais o salto indutivo seja feito da maneira mais
segura possível. Entre as condições que têm sido propostas destacaríamos:
d) o número de observações de um dado fenômeno deve ser grande;
e) deve-se variar amplamente as condições em que o fenômeno se produz; e
f) não deve existir nenhuma contra-evidência, i.e., observação que contrarie a lei.
˾Embora pareçam prima facie razoáveis, um pouco de reflexão e inspeção cuidadosa da história da ciência
revelam que tais condições não são nem suficientes para garantir as inferências indutivas, nem necessárias ao
estabelecimento de nossas melhores teorias científicas.
˾Que não são suficientes para assegurar a validade do processo indutivo já está claro de nossas considerações
anteriores. Dada uma proposição geral qualquer, não importa quão numerosas e variadas tenham sido as observações
que lhe forneceram suporte indutivo, é sempre possível que a próxima observação venha a contrariar as anteriores,
falseando a proposição geral. Se apelarmos para o princípio da regularidade da natureza, estaremos na obrigação de
justificá-lo. Mas tal princípio evidentemente não é de natureza lógica; e se lhe quisermos dar justificação
empírica, caímos de novo no problema da indução.
˾Além disso, podemos ver que as condições enumeradas também não são necessárias para as mais importantes teorias
científicas. Primeiro, quanto à condição (d), atentemos para o fato de que alguns dos mais fundamentais
experimentos científicos não foram repetidos senão umas poucas vezes, ou mesmo, como é comum, foram realizados
apenas uma vez. Muitas das generalizações empíricas nas quais mais certeza depositamos resultaram de uma única
observação. Quem, por exemplo, duvidaria que a explosão de bombas atômicas causa a morte de seres humanos após
Hiroshima haver sido arrasada?
˾Quanto à condição (e), notemos que a variação das condições de observação também não tem ocorrido ao longo do
desenvolvimento da ciência. Essa exigência é inexeqüível, se interpretada rigorosamente, já que os fatores que
em princípio podem influir são em número indefinido. Por exemplo, para verificarmos a lei da queda dos corpos,
teríamos que variar não somente a forma e a massa do corpo que cai, e o meio no qual se move, mas também a sua
temperatura, a sua cor, a hora do dia na qual o experimento é feito, a estação do ano, o sexo do experimentador,
o seu cheiro, etc. Isso faz ver que há sempre pressuposições teóricas guiando a escolha das condições que devem
ser controladas ou variadas; são nossos pressupostos teóricos que nos causam riso diante de algumas das condições
que acabamos de enumerar. Este ponto será retomado adiante, dada a sua importância.
˾Finalmente, nem mesmo a condição (f) tem sido respeitada pela ciência. As teorias científicas nascem e se
desenvolvem em meio a inúmeras “anomalias” ou contra-exemplos empíricos. A teoria de Copérnico conviveu, até o
advento do telescópio, com o contra-exemplo da observação da invariância das dimensões de Vênus ao longo do ano.
A mecânica newtoniana atingiu a glória mesmo tendo que aguardar décadas antes que pudesse entrar em acordo com
as observações da trajetória da Lua; e nem foi abandonada no século XIX, quando não pôde dar conta da órbita de
Urano. A hipótese de Prout sobre os pesos atômicos dos elementos químicos esperou quase um século antes que seu
conflito com abundantes experiências fosse removido.
˾Passemos agora às objeções ao princípio (a) da visão comum da ciência: começo da investigação científica
por observações.
˾O comentário que fizemos sobre a variação das condições de observação já indica uma dificuldade: se não
tivermos nenhuma diretriz teórica para guiar as observações, estas nunca poderão ser concluídas, já que a
rigor teríamos que considerar uma infinidade de fatores. Essa constatação de que, por uma questão de princípio,
a investigação científica não pode principiar com observações puras é reforçada pelo testemunho histórico.
Os catálogos baconianos são uma ficção, nunca tendo sido elaborados por qualquer cientista. O cientista, quando
vai ao laboratório, sempre tem uma idéia, ainda que provisória e reformulável, do que deve ou não ser observado,
controlado, variado.
˾É interessante ainda lembrar que há casos notáveis de descobertas de leis científicas estimuladas por fatores
não-empíricos. Um exemplo típico é a idéia ocorrida ao físico francês Louis de Broglie de que a matéria dita
“ponderável” (elétrons, átomos, etc.) apresentaria um comportamento ondulatório. Essa idéia, que contribuiu
decisivamente para os desenvolvimentos que levaram ao surgimento da mecânica quântica, não se baseava de modo
direto em nenhuma evidência empírica disponível na época (1924), mas na consideração estética, de simetria,
de que se a luz, tida como de natureza ondulatória, apresentava, em determinadas circunstâncias, um comportamento
corpuscular (fato esse, aliás, também constatado depois de haver sido previsto teoricamente por Einstein),
então os corpúsculos materiais igualmente deveriam, em certas circunstâncias, comportar-se como ondas.
˾As objeções que se têm levantado contra o princípio (b), da neutralidade das observações, são demasiadamente
complexas para serem tratadas neste texto voltado a um público leigo. De forma simplificada, a análise
filosófica e psicológica do processo de percepção fornece evidência de que o conteúdo mental (idéias, conceitos,
juízos) formado quando se observa um determinado objeto ou conjunto de objetos varia significativamente de
indivíduo para indivíduo, conforme sua bagagem intelectual. Em certo sentido, a apreensão da realidade se
faz parcialmente mediante “recortes” próprios de cada observador, determinados por sua experiência prévia,
as teorias que aceita, os objetivos que tem em vista. A tarefa de isolar elementos completamente objetivos,
ou pelo menos inter-subjetivos, em nossas experiências está envolta em dificuldades maiores do que se supôs
nas etapas iniciais do desenvolvimento da filosofia empirista moderna, quando se propunha que o material básico
de todo conhecimento era um conjunto de “idéias”, “impressões”, “conceitos” ou “dados sensoriais” comuns.
Parece que em cada ocasião em que a mente interage com algo, esses dados sensoriais já vêm inextricavelmente
associados a interpretações, condicionadas pelos fatores apontados.
˾Tais constatações, porém, não devem conduzir a um subjetivismo completo, incompatível com aquilo que de fato
se faz em nosso dia-a-dia e na ciência. Aliás, parte da atividade científica consiste justamente em se buscar
uma descrição tão objetiva quanto possível do mundo, e o que está sendo aqui exposto visa apenas a indicar que
esse ideal tem que ser buscado por meio de um controle crítico incessante dos fatores subjetivos inelimináveis.
Ao contrário do que poderia resultar de uma abordagem estritamente kantiana dessa questão, defendemos que a
“grade” intelectual segundo a qual percebemos a realidade não é fixa, determinada de forma totalmente
independente de nosso arbítrio, mas pode ser adaptada por esforços deliberados, com a finalidade de se
encontrar uma representação das coisas que mais se aproxime daquele ideal, maximizando-se simultaneamente a
coerência e o poder explicativo de nosso conjunto de crenças e teorias.
3. Popper e o falseacionismo
˾Objeções incisivas à concepção comum de ciência, então vestida nas roupagens do positivismo lógico, foram
levantadas já em 1934 pelo filósofo austríaco (mais tarde naturalizado britânico) Karl Popper, exatamente
quando essa doutrina vivia o seu apogeu. Tais objeções, enfeixadas no livro Logik der Forschung, publicado
em Viena naquele ano, foram ignoradas durante quase trinta anos, só recebendo atenção no final da década de
1950, quando os próprios positivistas lógicos já haviam admitido muitas limitações no seu programa original.
Em 1959, o livro de Popper foi revisto, ampliado e vertido para o inglês, sob o título The Logic of
Scientific Discovery. A partir de então (e, é claro, não somente pela influência desta obra) instalou-se um
período de significativos avanços na filosofia da ciência, com o aperfeiçoamento e crítica das teses
popperianas, e com o aparecimento de outras concepções de ciência, entre as quais se destacam as de Thomas
Kuhn e Imre Lakatos.
˾A idéia central de Popper é a de substituir o empirismo justificacionista-indutivista da concepção
tradicional por um empirismo não-justificacionista e não-indutivista, que ficou conhecido por
falseacionismo. Popper rejeita que as teorias científicas sejam construídas por um processo indutivo a
partir de uma base empírica neutra, e propõe que elas têm um caráter completamente conjetural. Teorias são
criações livres da mente, destinadas a ajustar-se tão bem quanto possível ao conjunto de fenômenos de que
tratam. Uma vez proposta, uma teoria deve ser rigorosamente testada por observações e experimentos. Se
falhar, deve ser sumariamente eliminada e substituída por outra capaz de passar nos testes em que a
anterior falhou, bem como em todos aqueles nos quais tenha passado. Assim, a ciência avança por um
processo de tentativa e erro, conjeturas e refutações. “Aprendemos com nossos erros”, enfatiza Popper,
que traça um paralelo (com restrições importantes) entre a evolução da ciência e a evolução das espécies,
segundo a teoria de Darwin-Wallace:
"Nosso conhecimento consiste, em cada momento, daquelas hipóteses que mostraram sua (relativa)
adaptação, por terem até então sobrevivido em sua luta pela existência, uma luta competitiva que
elimina as hipóteses não-adaptadas. (Objective Knowledge, p. 261.)
˾A cientificidade de uma teoria reside, para Popper, não em sua impossível prova a partir de uma base
empírica, mas em sua refutabilidade. Ele argumenta que somente as teorias passíveis de serem falseadas
por observações fornecem informação sobre o mundo; as que estejam fora do alcance da refutação empírica
não possuem “pontos de contato” com a realidade, e sobre ela nada dizem, mesmo quando na aparência digam,
caindo no âmbito da metafísica. Alguns dos exemplos preferidos de Popper de teorias irrefutáveis, e
portanto não-científicas, são a astrologia, a psicanálise e o marxismo.
˾Vejamos agora como a concepção falseacionista posiciona-se diante das características da ciência que
constituíram embaraço à concepção indutivista tradicional.
˾Primeiramente, notemos que a visão falseacionista escapa completamente ao problema da justificação
da indução, já que nela não se pretende que as teorias sejam provadas indutivamente. O vínculo empírico
das teorias se localiza em sua refutabilidade. E aqui o falseacionismo explora habilmente a assimetria
lógica que existe entre os processos de inferência de proposições particulares a partir de proposições
gerais e de gerais a partir de particulares: se nenhum conjunto finito de proposições particulares
pode levar logicamente uma proposição geral, a falsidade de uma proposição particular acarreta
logicamente a falsidade da proposição que representa a sua generalização. Ilustremos o ponto retomando
o nosso exemplo da lei segundo a qual todo papel é combustível. Conforme mencionamos, essa lei não pode
ser provada logicamente por observações de pedaços de papel que se queimam. Porém se encontrarmos um
único pedaço de papel incombustível, concluiremos logicamente que a referida lei é falsa.
"Acredito que a teoria - pelo menos alguma expectativa ou teoria rudimentar - sempre vem primeiro,
sempre precede a observação; e que o papel fundamental das observações e testes experimentais é mostrar
que algumas de nossas teorias são falsas, estimulando-nos assim a produzir teorias melhores."
"Conseguintemente, digo que não partimos de observações, mas sempre de problemas - seja de problemas
práticos ou de uma teoria que tenha topado com dificuldades. (Objective Knowledge, p. 258.)"
˾Isso isenta o falseacionismo de várias das objeções filosóficas, notadamente da relativa à necessidade
de diretrizes teóricas na condução das observações, e também o colocam em concordância com o processo
que efetivamente ocorre ao longo da história da ciência.
˾Por fim, além do apelo intuitivo do falseacionismo (em nossa vida prática, pelo menos, freqüentemente
aprendemos com nossos erros), cabe mencionar que o compromisso com essa posição filosófica força a
formulação das teorias de maneira clara e precisa. De fato, não é fácil ver como uma teoria obscura
ou imprecisa possa ser submetida a testes rigorosos e, ainda que o seja, poderá ser sempre salva de
um veredicto desfavorável por meio de reinterpretações, de manobras semânticas, o que trai sua
irrefutabilidade, e portanto o seu caráter não-científico.
4. Limitações do falseacionismo
˾Embora represente um avanço em relação à concepção comum de ciência, o falseacionismo, tal qual
o descrevemos acima, de modo simplificado, padece de várias limitações. Não faríamos justiça plena a
Popper atribuindo-lhe essa forma tosca de falseacionismo, não obstante haja alguma evidência textual
para essa atribuição, como gostam de notar seus opositores.
˾Foge ao escopo deste trabalho efetuar uma análise dos muitos matizes do pensamento popperiano,
bem como avaliar as críticas que lhe foram feitas. Diremos apenas que mesmo as versões mais
sofisticadas do falseacionismo não estão isentas de dificuldades, o que deu lugar ao surgimento
de diversas teorias da ciência alternativas. Essas teorias vão desde a metodologia dos programas
científicos de pesquisa, de Lakatos, que representa um desdobramento das linhas popperianas, até
o auto-denominado “dadaísmo metodológico”, de Paul Feyerabend, que nega a existência de qualquer
método na ciência. Daremos abaixo uma descrição breve das idéias centrais de Lakatos. Antes, porém,
exporemos de forma sucinta algumas das objeções que se têm levantado contra o falseacionismo, e que
motivaram o desenvolvimento das concepções lakatosianas.
˾A dificuldade mais fundamental enfrentada pelo falseacionismo é o chamado “problema de Duhem-Quine”.
Vimos acima que uma proposição geral como ‘Todo papel é combustível’ pode ser falseada por uma
proposição particular como ‘A folha de papel x não é combustível’, cuja verdade usualmente se
admite apoiar na experiência. No entanto, as teorias reais ou de algum interesse nunca são proposições
gerais isoladas, mas conjuntos de tais proposições, e não podem, além disso, ser submetidas a
testes empíricos senão quando suplementadas por teorias e hipóteses auxiliares (como as referentes
ao funcionamento dos aparelhos eventualmente empregados na observação), proposições acerca das
condições iniciais e de contorno, etc. Se então esse complexo de proposições permite inferir uma
proposição que conflita com alguma proposição empírica, o máximo que a lógica nos informa é que o
conjunto de proposições está refutado, caso se assuma a verdade da proposição empírica. Mas não nos
habilita a singularizar como responsável por essa refutação uma das proposições do conjunto, nem
mesmo o subconjunto delas que constitui a teoria particular que estamos procurando testar.
˾Ilustremos a dificuldade considerando uma situação que, segundo a concepção falseacionista,
representaria a refutação de uma dada teoria mecânica por observações astronômicas. Para fixar
idéias, tomemos essa teoria como sendo a mecânica newtoniana, que consiste de três leis dinâmicas,
as conhecidas “leis de Newton”, que denotaremos por L1, L2 e L3, e da lei da gravitação universal,
que denotaremos por G. Uma eventual refutação dessa teoria por uma proposição empírica, E, implica
necessariamente a possibilidade de se deduzir a partir da teoria uma proposição T logicamente
incompatível com E. Em outros termos, diríamos neste caso que a previsão teórica T (a respeito,
por exemplo, da trajetória de um dado planeta) foi contrariada pela experiência, expressa pela
proposição E, estando assim refutada a teoria mecânica em questão.
˾O problema está em que o conjunto de leis L1, L2, L3 e G não basta para a dedução de nenhuma
proposição do tipo de T. Para tanto, deve ser complementado por várias outras proposições,
classificadas em duas categorias principais: De um lado, estão as proposições gerais
(A1, A2, A3, ... ) de teorias auxiliares, como por exemplo as de teorias ópticas envolvidas na
construção e operação dos telescópios usados na observação do planeta, na correção das
aberrações ópticas introduzidas pela atmosfera terrestre, etc. De outro lado, há as proposições
particulares (I1, I2, I3, ... ) referentes às chamadas condições iniciais do problema, como
sejam as empregadas para especificar as massas e posições iniciais do planeta, da Terra, do
Sol e dos demais planetas e satélites. Temos então que é somente o amplo conjunto de proposições
L1, L2, L3, G, A1, A2, A3, ... I1, I2, I3, ... que permite inferir uma proposição T imediatamente
confrontável com a observação. Se agora encontrarmos que essa proposição T é empiricamente falsa,
poderemos concluir somente que a vasta conjunção de proposições que permitiu deduzi-la é falsa;
mas a lógica não dá nenhuma indicação de qual (ou quais) proposição que a compõe é falsa; sabemos
apenas que pelo menos uma deverá sê-lo, mas não qual. Assim, o conflito de T com a observação não
pode ser interpretado como uma refutação da teoria mecânica em análise (e mesmo que pudesse, não
saberíamos qual das leis que a compõem é falsa), pois a falha pode estar em qualquer uma das
inúmeras proposições subsidiárias A1, A2, A3, ... I1, I2, I3, ... . Conforme se verifica pelo
exame cuidadoso das situações reais de teste das teorias científicas, esse conjunto de proposições
subsidiárias é em geral bastante extenso.
˾Quine expressou metaforicamente o problema em foco dizendo que “nossas proposições sobre o mundo
externo enfrentam o tribunal da experiência sensível não individualmente, mas corporativamente”
(“Two dogmas of Empiricism”, seção 5). Recorreu ainda a duas imagens para figurar as relações
entre teoria e experiência:
"A totalidade de nosso assim chamado conhecimento ... é um tecido feito pelo homem, que toca
a experiência somente em suas bordas. Ou, mudando a imagem, a ciência é como um campo de força
cujas condições de contorno são a experiência. Um conflito com a experiência na periferia causa
reajustes no interior do campo ... A reavaliação de algumas proposições acarreta a reavaliação
de outras, devido às interconexões lógicas entre elas ... Mas o campo é de tal modo subdeterminado
por suas condições de contorno (a experiência), que há muita liberdade de escolha sobre quais
proposições devem ser reavaliadas à luz de qualquer experiência individual contrária.
(Ibid., seção 6.)"
˾Conforme vemos, o problema de Duhem-Quine incide sobre os próprios fundamentos da concepção
falseacionista de ciência. Sua relevância é acentuada pelo testemunho da história da ciência,
que fornece muitos exemplos de conflitos entre previsões teóricas e observações que foram
resolvidos não pelo abandono da teoria particular que levou à previsão, mas por ajustes nas
teorias subsidiárias requeridas para a efetivação do teste. Mencionamos anteriormente alguns
exemplos importantes, que agora relembraremos, junto com mais alguns.
˾A teoria astronômica de Copérnico conflitava com a observada constância nas dimensões de
Vênus e Marte ao longo do ano. O heliocentrismo não foi por isso tido como refutado por todos;
muitos preferiram colocar em dúvida a assumida capacidade de nosso sistema visual perceber
pequenas variações de tamanho de objetos brilhantes pequenos. O mesmo ocorreu com relação a
inúmeras previsões mecânicas empiricamente falsas que os opositores do sistema copernicano
deduziram da hipotética rotação da Terra: a produção de ventos fortíssimos na direção oeste;
a projeção de todos os corpos soltos sobre a superfície da Terra; o desvio para oeste de
corpos em queda livre; a Lua seria deixada para trás pela Terra em seu movimento de
translação, etc. Bruno, Galileo, Kepler e outros não viram nessas abundantes conseqüências
falsas da teoria heliocêntrica a sua refutação, preferindo atribuí-las às teorias mecânicas
subjacentes, muito embora o desenvolvimento de uma nova mecânica, capaz de produzir previsões
empíricas corretas a partir da teoria heliocêntrica, devesse ainda aguardar a contribuição
de Newton, no final do século XVII.
˾Por sua vez, a mecânica newtoniana dava resultados incorretos para a trajetória da Lua.
Isso não foi interpretado como sua refutação; o ajuste empírico da teoria foi alcançado em
meados do século XVIII, por modificações nas técnicas matemáticas envolvidas nos cálculos
da trajetória lunar. Caso semelhante se deu com as previsões da teoria newtoniana para a
órbita de Urano, incompatível com as observações astronômicas do início do século XIX.
Desta vez, a refutação da teoria foi evitada pelo questionamento das condições iniciais
do problema, introduzindo-se a hipótese de um corpo celeste até então nunca observado,
que modificaria as forças gravitacionais que atuam sobre aquele planeta. Esse hipotético
corpo foi mais tarde detectado empiricamente, sendo o que hoje se conhece como o
planeta Netuno.
˾Também já aludimos à hipótese que Prout propôs em 1815 acerca dos pesos atômicos dos
elementos químicos, que conviveu durante quase cem anos com farta evidência empírica
contrária. A discrepância foi atribuída a pressuposições referentes aos processos de
purificação química. Aqui também esse redirecionamento da refutação mostrou-se
justificado pelos desenvolvimentos científicos do século XX.
˾Finalizando esta breve exposição das dificuldades do falseacionismo, temos ainda que
mencionar que a ênfase que dá ao processo de falseamento das teorias conduz freqüentemente
a uma subestimação do papel das confirmações no desenvolvimento da ciência. (Entendemos
aqui ‘confirmação’ não no sentido da concepção tradicional de ciência, que em geral se
confunde com ‘prova’; por esse termo significamos apenas a evidência empírica favorável.)
˾Na versão tosca que lhe demos acima, o falseacionismo não reconhecia a importância das confirmações.
Um tanto impiedosamente, poderíamos isolar muitas passagens dos escritos de Popper que parecem apoiar esse
ponto de vista, como por exemplo esta prescrição feita à página 266 de seu Objective Knowledge: “Tenha por
ambição refutar e substituir suas próprias teorias.” Ou ainda estas frases de Conjectures and Refutations:
“Observações e experimentos ... funcionam na ciência como testes de nossas conjeturas ou hipóteses, i.e.,
como tentativas de refutação” (p. 53). “Todo teste genuíno de uma teoria é uma tentativa de falseá-la ou
refutá-la” (p. 36).
˾Não podemos disfarçar nossa estranheza diante de tais afirmações, dado seu contraste com a atitude usual
dos cientistas, que vem norteando o desenvolvimento da ciência. Naturalmente, quando considerado em seu
conjunto, o pensamento popperiano mostra-se mais refinado. Popper trata mesmo com alguma extensão o assunto
da “evidência corroborativa”. Não é claro, todavia, que ele tenha feito justiça plena ao papel que a confirmação
efetivamente desempenha na ciência. Vejamos, por exemplo, este seu comentário específico sobre a questão:
“Evidência confirmatória não deve contar, exceto quando é o resultado de um teste genuíno da teoria, ou seja,
quando possa ser apresentada como uma tentativa séria, não obstante mal sucedida, de falsear a teoria.”
(Conjectures and Refutations, p. 36; o destaque é de Popper.) O desacordo com o que se observa na prática
da ciência reside não no reconhecimento de que as “confirmações devem contar somente se são o resultado de
predições arriscadas” (ibid., p. 36), mas na insistência em interpretar observações e experimentos como
tentativas deliberadas de refutação. Definitivamente, parece não haver exemplos de cientistas que se tenham
empenhado ansiosamente na refutação de suas próprias teorias, ou daquelas com as quais simpatizem. E o que
vimos acima nos autoriza a concluir que se esse fosse o objetivo precípuo dos cientistas, não lhes faltariam
razões para dar como refutadas todas as teorias científicas.
˾Além disso, há que observar a irrelevância de certas refutações para a ciência. Este ponto foi expresso com
clareza por Chalmers em seu livro What Is This Thing Called Science? (pp. 51-2):
"É um erro tomar a falseação de conjeturas ousadas e altamente falseáveis como ocasiões de significantes
avanços na ciência ... Avanços significantes distinguem-se pela confirmação de conjeturas ousadas ou pela falseação
de conjeturas prudentes. Casos do primeiro tipo são informativos, e constituem uma importante contribuição ao
conhecimento científico, exatamente porque assinalam a descoberta de algo previamente não-cogitado ou tido como
improvável ... As falseações de conjeturas prudentes são informativas porque estabelecem que o que era considerado
pacificamente verdadeiro é de fato falso ... Em contraste, pouco se aprende com a falseação de uma conjetura ousada
ou da confirmação de uma conjetura prudente. Se uma conjetura ousada é falseada, então tudo o que se aprende é que
mais uma idéia maluca mostrou-se errada ... Semelhantemente, a confirmação de hipóteses prudentes ... indica meramente
que alguma teoria bem estabelecida e vista como não-problemática foi aplicada com sucesso mais uma vez.
5. Lakatos: uma visão contemporânea da ciência
˾Do que vimos sobre as limitações das concepções indutivista e falseacionista de ciência, transparece que elas
representam as teorias científicas e suas relações com a experiência de modo demasiadamente simples e fragmentário.
A inspeção da natureza, gênese e desenvolvimento das teorias científicas reais evidencia que devem ser consideradas
como estruturas complexas e dinâmicas, que nascem e se elaboram gradativamente, em um processo de influenciação
recíproca com a experiência, bem como com outras teorias. Essa visão da ciência é ainda apoiada por argumentos de
ordem filosófica e metodológica.
˾Se é verdade que as teorias científicas devem apoiar-se na experiência - embora não dos modos descritos pelo
indutivismo e pelo falseacionismo -, residindo mesmo nela a sua principal razão de ser, não é menos verdade que a
busca, condução, classificação e análise dos dados empíricos requer diretrizes teóricas.
˾Além disso, a própria malha conceitual na qual formulamos nossas idéias e experiências sensoriais constitui-se ao
menos parcialmente pela atuação de nosso intelecto. No caso específico dos conceitos abstratos da ciência, o exame
de sua criação e evolução mostra que surgem tipicamente como idéias vagas, só adquirindo significado gradualmente
mais preciso à medida que as teorias em que comparecem se estruturam, embasam e ganham coerência.
˾Por fim, em contraste com o que propõe a visão indutivista (e talvez também a falseacionista), as teorias
científicas não consistem de meros aglomerados de leis gerais. Devem incorporar ainda regras metodológicas
que disciplinem a absorção de impactos empíricos desfavoráveis, e norteiem as pesquisas futuras com vistas ao
seu aperfeiçoamento.
˾O filósofo Imre Lakatos sistematizou de maneira interessante as características da ciência que vimos discutindo,
introduzindo a noção de programa científico de pesquisa. Iniciaremos nossa breve e simplificada exposição das
idéias centrais de Lakatos recorrendo a este parágrafo do citado livro de Chalmers (p. 76):
“Um programa de pesquisa lakatosiano é uma estrutura que fornece um guia para futuras pesquisas, tanto de
maneira positiva, como negativa. A heurística negativa de um programa envolve a estipulação de que as assunções
básicas subjacentes ao programa, que formam o seu núcleo rígido, não devem ser rejeitadas ou modificadas. Esse
núcleo rígido é resguardado contra falseações por um cinturão protetor de hipóteses auxiliares, condições iniciais,
etc. A heurística positiva constitui-se de prescrições não muito precisas que indicam como o programa deve ser
desenvolvido... Os programas de pesquisa são considerados progressivos ou degenerantes, conforme tenham sucesso,
ou persistentemente fracassem, em levar à descoberta de novos fenômenos.”
˾O núcleo rígido (hard core) de um programa é aquilo que essencialmente o identifica e caracteriza, constituindo-se
de uma ou mais hipóteses teóricas. Eis alguns exemplos. O núcleo rígido da cosmologia aristotélica inclui, entre
outras, as hipóteses da finitude e esfericidade do Universo, a impossibilidade do vazio, os movimentos naturais,
a incorruptibilidade dos céus. O núcleo da astronomia copernicana consiste das assunções de que a Terra gira sobre
si mesma em um dia e em torno do Sol em um ano, e de que os demais planetas também orbitam o Sol. O da mecânica
newtoniana é formado pelas três leis dinâmicas e pela lei da gravitação universal; o da teoria especial da
relatividade, pelo princípio da relatividade e pela constância da velocidade da luz; o da teoria da evolução
de Darwin-Wallace, pelo mecanismo da seleção natural.
˾Por “uma decisão metodológica de seus protagonistas” (Lakatos 1970, p. 133), o núcleo rígido de um programa de
pesquisa é “decretado” não-refutável. Possíveis discrepâncias com os resultados empíricos são eliminadas pela
modificação das hipóteses do cinturão protetor. Essa regra é a heurística negativa do programa, e tem a função
de limitar, metodologicamente, a incerteza quanto à parte da teoria atingida pelas “falseações”. Recomendando-nos
direcionar as “refutações” para as hipóteses não-essenciais da teoria, a heurística negativa representa uma regra
de tolerância, que visa a dar uma chance para os princípios fundamentais do núcleo mostrarem a sua potencialidade.
O testemunho da história da ciência parece de fato corroborar essa regra, como vimos nos exemplos que demos acima.
Uma certa dose de obstinação parece ter sido essencial para salvar nossas melhores teorias científicas dos
problemas de ajuste empírico que apresentavam quando de sua criação.
˾Lakatos reconhece, porém, que essa atitude conservadora tem seus limites. Quando o programa como um todo mostra-se
sistematicamente incapaz de dar conta de fatos importantes e de levar à predição de novos fenômenos (i.e., torna-se
“degenerante”), deve ceder lugar a um programa mais adequado, “progressivo”. Como uma questão de fato histórico,
nota-se que um programa nunca é abandonado antes que um substituto melhor esteja disponível.
˾A heurística positiva de um programa é mais vaga e difícil de caracterizar que a heurística negativa. Segundo
Lakatos, ela consiste “de um conjunto parcialmente articulado de sugestões ou idéias de como mudar ou desenvolver
as ‘variantes refutáveis’ do programa de pesquisa, de como modificar, sofisticar, o cinturão protetor ‘refutável’.”
(op. cit. p. 135) No caso da astronomia copernicana, por exemplo, a heurística positiva indicava claramente a
necessidade do desenvolvimento de uma mecânica adequada à hipótese da Terra móvel, bem como de novos instrumentos
de observação astronômica, capazes de detectar as previstas variações no tamanho aparente dos planetas e as fases
de Vênus, por exemplo. Assim, o telescópio foi construído algumas décadas após a morte de Copérnico pelo seu ardente
defensor, Galileo, que contribuiu poderosamente para a criação da nova teoria mecânica. Esta, a seu turno, uma vez
formulada por Newton, apontou para um imenso campo aberto, no qual se deveriam buscar uma nova matemática, medidas
das dimensões da Terra, aparelhos para a detecção da força gravitacional entre pequenos objetos, etc.
˾A concepção lakatosiana de ciência envolve um novo critério de demarcação entre ciência e não-ciência. Lembremos
que o critério indutivista considerava científicas somente as teorias provadas empiricamente. Tal critério é, como
vimos, forte demais: não haveria, segundo ele, nenhuma teoria genuinamente científica, pois todo conhecimento do
mundo exterior é falível. Também o critério falseacionista, segundo o qual só são científicas as teorias refutáveis,
elimina demais: como nenhuma teoria pode ser rigorosamente falseada, nenhuma poderia classificar-se como científica.
˾O critério de demarcação proposto por Lakatos, por outro lado, adequadamente situa no campo científico algumas das
teorias unanimemente tidas como científicas, como as grandes teorias da física. Esse critério funda-se em duas
exigências principais: uma teoria deve, para ser científica, estar imersa em um programa de pesquisa, e este programa
deve ser progressivo. Deixemos a Lakatos a palavra (1970, pp. 175-6):
"Pode-se compreender muito pouco do desenvolvimento da ciência quando nosso paradigma de uma porção de
conhecimento científico é uma teoria isolada, como ‘Todo cisne é branco’, solta no ar, sem estar imersa em um grande
programa de pesquisa. Minha abordagem implica um novo critério de demarcação entre ‘ciência madura’, que consiste de
programas de pesquisa, e ‘ciência imatura’, que consiste de uma colcha de retalhos de tentativas e erros ...
A ciência madura consiste de programas de pesquisa nos quais são antecipados não apenas fatos novos, mas também
novas teorias auxiliares; a ciência madura possui ‘poder heurístico’, em contraste com os processos banais de
tentativa e erro. Lembremos que na heurística positiva de um programa vigoroso há, desde o início, um esboço geral
de como construir os cinturões protetores: esse poder heurístico gera a autonomia da ciência teórica.
Essa exigência de crescimento contínuo [progressividade do programa] é minha reconstrução racional da exigência
amplamente reconhecida de ‘unidade’ ou ‘beleza’ da ciência. Ela põe a descoberto a fraqueza de dois tipos de
teorização aparentemente muito diferentes entre si. Primeiro, evidencia a fraqueza de programas que, como o
marxismo ou o freudismo, são indubitavelmente ‘unificados’, e fornecem um plano geral do tipo de teorias auxiliares
que irão utilizar para a absorção de anomalias, mas que invariavelmente criam suas teorias na esteira dos fatos,
sem ao mesmo tempo anteciparem fatos novos. (Que fatos novos o marxismo previu desde, digamos, 1917?) Em segundo
lugar, ela golpeia seqüências remendadas de ajustes ‘empíricos’ rasteiros e sem imaginação, tão freqüentes, por
exemplo, na psicologia social moderna. Tais ajustes podem, com o auxílio das chamadas ‘técnicas estatísticas’,
produzir algumas predições ‘novas’, podendo mesmo evocar alguns fragmentos irrelevantes de verdade que encerrem.
Semelhantes teorizações, todavia, não possuem nenhuma idéia unificadora, nenhum poder heurístico, nenhuma
continuidade. Não indicam nenhum programa de pesquisa, e são, no seu todo, inúteis."
Referências e sugestões de leitura
AYER, A. J. Language, Truth and Logic. Victoria, Penguin Books, 1972. [1936]
––––––. (ed.) Logical Positivism. New York, The Free Press, 1959.
BACON, F. Novum Organum. Trad. e ed. P. Urbach e J. Gibson. Chicago, Open Court, 1994.
CHALMERS, A.F. What is this Thing called Science? St. Lucia, University of Queensland Press, 1976.
FEYERABEND, P. K. Against Method. London: Verso 1978.
HEMPEL, C. G. The Philosophy of Natural Science. Englewood Cliffs, Prentice-Hall, 1966.
(Filosofia das Ciências Naturais. Trad. P. S. Rocha. Rio, Zahar, 1974.)
HUME, D. An Enquiry concerning Human Understanding. T. L. Beauchamp (ed.), Oxford: Oxford University Press, 1999.
KUHN, T. S. The Structure of Scientific Revolutions. 2 ed., enlarged. Chicago and London: University of
Chicago Press 1970.
LAKATOS, I. Falsification and the methodology of scientific research programmes. In: Lakatos & Musgrave 1970, pp.
91-195.
LAKATOS, I. & MUSGRAVE, A. Criticism and the Growth of Knowledge. Cambridge, Cambridge University Press, 1970.
LOCKE, J. An Essay Concerning Human Understanding. London, Oxford University Press, 1975.
LOSEE, J. A Historical Introduction to the Philosophy of Science. 2 ed. Oxford, Oxford University Press, 1980.
(Introdução Histórica à Filosofia da Ciência. Trad. B. Climberis. Belo Horizonte, Itatiaia e São Paulo, Edusp, 1979.)
NAGEL, E. The Structure of Science. Indianapolis and Cambridge: Hackett Publishing Company, 1979.
POPPER, K.R. The Logic of Scientific Discovery. 5.ed., revista. London, Hitchison, 1968.
––––––. Conjectures and Refutations. 4.ed., revista. London, Routledge and Kegan Paul, 1972.
––––––. Objective Knowledge. Oxford, Clarendon Press, 1972.
QUINE, W.V.O. Two dogmas of empiricism. In: Quine 1953, pp. 20-46.
––––––. From a Logical Point of View. Cambridge, Mass., 1953.
Fim do texto de SILVIO SENO CHIBENI
˾É um texto bastante respeitável e muito esclarecedor. Fico satisfeito ao perceber que meu respeito pela ciência é bem fundamentado. ˾Vejamos agora a posição do príncipe do ateísmo radical Richard Dawkins. Prodígio em divulgação “científica” faz aparições regulares na televisão e no rádio, principalmente para discutir o tema religião versus ciência. Em seu livro A Desilusão de Deus, de 2006, Dawkins afirma que um criador sobrenatural é apenas uma história criativa e que a fé religiosa é uma ilusão, uma crença falsa. Observo que sua grande produção é a simplificação e a tática do inimigo único. Sua posição é semelhante aos radicais religiosos que critica. Seu colega Stephen Hawking, em entrevista no Youtube, ficou impressionado e fez a seguinte pergunta desconcertante: porquê você está tão obcecado com Deus? Ele realmente parece o divulgador da geração espontânea. ˾Seria muito errado confundir minha grande crítica a imposição de modelos com uma intolerância à opinião divergente. Por esse motivo vou me afastar ainda um pouco do assunto central - a reencarnação - e mostrar o belo texto do livro “Nachtzug nach Lissabon” (Trem Noturno para Lisboa em Português) do filósofo Peter Bieri. A sinceridade e sensibilidade com que o personagem Amadeo de Almeida Prado fala da religião no discurso de sua formatura merece uma pausa para contrapor ao fundamentalista Richard Dawins, um mero colecionador de observações.
Início do texto de Peter Bieri REVERÊNCIA E AVERSÃO PERANTE A PALAVRA DE DEUS ˾Não quero viver num mundo sem catedrais. Preciso da sua beleza e da sua transcendência. Preciso delas contra a vulgaridade do mundo. Quero erguer o meu olhar para seus vitrais brilhantes e me deixar cegar pelas cores etéreas. Preciso do seu esplendor. Preciso dele contra a suja uniformidade das fardas. Quero cobrir-me com o frescor seco das igrejas. Preciso do seu silêncio imperioso. Preciso dele contra a gritaria no pátio da caserna frívola dos oportunistas. Quero escutar o som oceânico do órgão, essa inundação de sons sobrenaturais. Preciso dele contra a estridência ridícula das marchas. Amo as pessoas que rezam. Preciso da sua imagem. Preciso dela contra o veneno traiçoeiro do supérfluo e da negligência. Quero ler as poderosas palavras da Bíblia. Preciso da força irreal de sua poesia. Preciso dela contra o abandono da linguagem e a ditadura das palavras de ordem. Um mundo sem essas coisas seria um mundo no qual eu não gostaria de viver. ˾Mas existe ainda outro mundo, no qual eu não quero viver: um mundo em que se demoniza o corpo e o pensamento independente e onde as melhores coisas que podemos experimentar são estigmatizadas e consideradas pecado. O mundo em que nos é exigido amar os tiranos, os opressores e assassinos, mesmo quando seus brutais passos marciais ecoam atordoantes pelas vielas ou quando se esgueiram, silenciosos e felinos, como sombras covardes pelas ruas e travessas para enterrar, por trás, o aço faiscante no coração de suas vítimas. Entre todas as afrontas que se lançaram do alto dos púlpitos as pessoas, uma das mais absurdas é, sem dúvida, a exigência de perdoar e até de amar essas criaturas. Mesmo se alguém o conseguisse, isso significaria uma falsidade sem igual e um esforço de abnegação desumano que teria que ser pago com a mais completa atrofia. Esse mandamento, esse desvairado e absurdo mandamento do amor para com o inimigo, serve apenas para quebrar as pessoas, para lhes roubar toda a coragem e toda a autoconfiança, e para torná-las maleáveis nas mãos dos tiranos, para que não consigam encontrar forças para se levantar contra eles, se necessário, com armas. ˾Venero a Palavra de Deus, pois amo sua força poética. Abomino a palavra de Deus, pois odeio a sua crueldade. Esse amor é um amor difícil, pois tem que distinguir constantemente entre o brilho das palavras e a subjugação verborrágica a uma divindade presumida. Esse ódio é um ódio difícil, pois como é que podemos nos permitir odiar palavras que fazem parte da própria melodia da vida nessa parte da Terra. Palavra que nos ensinam cedo sobre o que é reverência? Palavra que nos foram dadas como fatais, quando começamos a pressentir que a vida visível não pode ser toda a vida. Palavras sem as quais não seríamos aquilo que somos? ˾Mas não nos esqueçamos: são as mesmas palavras que exige de Abraão que sacrifique seu próprio filho, como se fosse um animal. O que fazer com a nossa ira quando lemos isso? O que devemos pensar de um Deus como esse? Um Deus que acusa Jô de disputar com Ele quando nada sabe e nada entende? Quem foi que o criou assim? E por que seria menos injusto quando Deus lança alguém no infortúnio sem motivo do que quando um comum mortal o faz? E Jô não teve todos os motivos para suas queixas? ˾A poesia da palavra divina é tão avassaladora que cala tudo e reduz toda e qualquer contestação a um uivo lastimável. É por isso que não se pode simplesmente pôr a Bíblia de lado, mas ela deve ser jogada fora assim que estejamos fartos de suas exigências e do jogo sujo que ela nos impõe. Nela, manifesta-se um Deus avesso à vida, sem alegria, um Deus que quer restringir a poderosa dimensão de uma vida humana - o grande círculo que descreve quando está em plena liberdade - a um só e limitado ponto de obediência. Carregados com o fardo da mágoa e o peso do pecado, ressequidos pela subjugação e pela falta de dignidade da confissão, a testa marcada pela cruz de cinza, devemos marchar em direção à sepultura, na esperança mil vezes contestada de uma vida melhor a seu lado. Mas como pode ser melhor ao lado de alguém que antes nos privou de todos os prazeres e de todas as liberdades? ˾E, no entanto, as palavras que vem de Deus e para Ele se dirigem são de uma beleza avassaladora. Como as amei no tempo de coroinha! Como me embriagaram nos brilhos das velas do altar! Como pareceu claro, tão claro quanto a luz do sol, que aquelas palavras fossem a medida de todas as coisas! Como parecia incompreensível, para mim, que as pessoas dessem importância também para outras palavras, quando cada uma delas não podia significar mais de que dispersão desprezível e perda da essência! Ainda hoje paro quando escuto um canto gregoriano, e durante um instante irrefletido fico triste que esse estado de embriaguez tenha dado lugar irremediavelmente à rebelião. Uma rebelião que se ateou em mim como uma labareda quando, pela primeira vez, escutei essas duas palavras: sacrificium intellectus. ˾Como podemos ser felizes sem a curiosidade, sem questionamentos, dúvidas e argumentos Sem o prazer de pensar. As duas palavras que são como um golpe de espada que nos decapita não significam nada menos senão a exigência de vivenciar nossos sentimentos e nossas ações contra o nosso pensar, são um convite para a dilaceração ampla, a ordem de sacrificar precisamente o núcleo da felicidade: a harmonia interior e a concordância interna de nossa vida. O escravo na galé está acorrentado, mas pode pensar o que quiser. Mas o que Ele, o nosso Deus, exige de nós, é que interiorizemos com nossas próprias mãos a nossa escravidão nas profundezas mais profundas e que, ainda por cima, o façamos voluntariamente e com alegria. Pode haver escárnio maior? ˾Em Sua onipresença, o Senhor nos observa dia e noite, a cada hora, cada minuto, cada segundo registra nossas ações e nossos pensamentos, nunca nos deixa em paz, nunca nos permite um momento sequer em que possamos estar a sós conosco. Mas o que é um ser humano sem segredos? Sem pensamentos e desejos que apenas ele próprio conhece? Os torturadores, os da Inquisição e os atuais, sabem: corte-lhe a possibilidade de ser retirar para dentro, nunca apague a luz, nunca o deixe a sós, negue-lhe o sono e o sossego, e ele falará. O fato da tortura nos roubar a alma significa: ela destrói a solidão com nós mesmos, da qual necessitamos como o ar para respirar. O Senhor, nosso Deus, nunca percebeu que, com sua desenfreada curiosidade e sua repugnante indiscrição, nos rouba uma alma que, ainda por cima, deve ser imortal? ˾Quem é que realmente quer ser imortal? Quem quer viver por toda a eternidade? Como deve ser tedioso e vazio saber que não tem a menor importância o que acontece hoje, este mês, este ano, pois ainda sucederão infinitos dias, meses, anos. Infinitos no sentido literal da palavra. Alguma coisa ainda contaria, nesse caso? Não precisaríamos mais contar com o tempo, não perderíamos mais oportunidades, não teríamos mais que nos apressar. Seria indiferente se fizéssemos alguma coisa hoje ou amanhã, totalmente indiferente. Diante da eternidade, negligências milhões de vezes repetidas se tornariam um nada, e não faria mais sentido lamentar alguma coisa, pois sempre haveria tempo para se recuperar. Não poderíamos nem mesmo nos entregar a simples fruição do dia, pois essa sensação de bem-estar decorre da consciência do tempo que se esvai, o ocioso é um aventureiro perante a morte, um cruzado contra o ditado da pressa. Onde ainda existe espaço para o prazer em esbanjar tempo quando existe tempo sempre, em todo lugar, para tudo e para todos? ˾Um sentimento não é idêntico quando se repete. Tinge-se de outras nuances pela percepção do seu retorno. Cansamo-nos dos nossos sentimentos quando eles se repetem muitas vezes ou duram demais. Na alma imortal surgiria, portanto, um tédio gigantesco e um desespero gritante perante a certeza de que aquilo nunca acabará, nunca! Os sentimentos querem evoluir, e nós com eles. São o que são porque repelem o que já foram e porque fluem em direção a um futuro onde mais uma vez se afastarão de nós. Se esse caudal desaguasse no infinito, milhares de sensações teriam que surgir dentro de nós, que, acostumados a uma dimensão limitada de tempo, nunca conseguiríamos imaginar. De modo que, pura e simplesmente, nem sabemos o que nos é prometido quando ouvimos falar da vida eterna. Como seria sermos nós próprios na eternidade, sem o consolo de podermos, um dia, vir a ser redimidos da obrigação de sermos nós? Não o sabemos, e o fato de nunca o virmos, a saber, representa uma benção. Pois de uma coisa podemos estar certos: seria um inferno esse paraíso da imortalidade. ˾É a morte que confere ao instante a sua beleza e o seu pavor. Só por meio da morte é que o tempo se transforma num tempo vivo. Por que é que o Senhor, Deus onisciente, não sabe disso? Por que nos ameaça com uma imortalidade que só poderia significar um vazio insuportável? ˾Não quero viver num mundo sem catedrais. Preciso do brilho de seus vitrais, de sua calma gelada, de seu silêncio imperioso. Preciso das marés sonoras do órgão e do sagrado ritual das pessoas em oração. Preciso da santidade das palavras, da elevação da grande poesia. Preciso de tudo isso. Mas não menos necessito da liberdade e do combate a toda a crueldade. Pois uma coisa não é nada sem a outra. E que ninguém me obrigue a escolher. Fim do texto de Peter Bieri
˾O mestre Jesus disse: "Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de odiar um e amar o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e a Mamom. (Sermão da Montanha - Mateus 6:24)." ˾Tento me esforçar ao máximo e ser sensato para atender essa ótima instrução e respeitar as posições, os senhores de cada um ou mesmo a ausência deles. ˾Observo o que diz Chico Xavier, psicografando Emmanuel nos livros: “O Consolador” e “Emmanuel”: “Os médiuns, em sua generalidade, não são missionários na acepção comum do termo; são almas que fracassaram desastradamente, que contrariaram, sobremaneira, o curso das leis divinas e que resgatam, sob o peso de severos compromissos e ilimitadas responsabilidades, o passado obscuro e delituoso. O seu pretérito, muitas vezes, se encontra enodoado de graves deslizes e erros clamorosos. Quando médium guarda a noção de fragilidade e pequenez, pela convicção de que é uma alma em processo de redenção e aperfeiçoamento, pelo trabalho e pelo estudo, está-se preparando, com segurança, para o triunfo nas lides do Espírito Eterno. [...] a primeira necessidade do médium é evangelizar-se a si mesmo antes de se entregar às grandes tarefas doutrinárias, pois, de outro modo, poderá esbarrar sempre com o fantasma do personalismo, em detrimento de sua missão. [...] o médium que vigia a própria vida, disciplina as emoções, cultiva as virtudes cristãs e oferece ao Senhor, multiplicados, os talentos que por empréstimo lhe foram confiados, estará, no silêncio de suas dores e de seus sacrifícios, preparando o seu caminho de elevação para o Céu. Estará, sem dúvida, exercendo a mediunidade com Jesus.” ˾As colocações são muito claras. Fala-me de: compromissos, responsabilidades, redenção, aperfeiçoamento, evangelizar-se, virtudes, justiça. Não observo: velocidades, aceleração, tempo, nem qualquer outro tipo de fenômenos ou fórmulas. A espiritualidade começa na crença em Deus, a causa primária de todas as coisas, a origem de tudo o que existe, a base sobre que repousa o edifício da criação. Esse é o ponto principal a ser destacado e toda sequência dos princípios morais e éticos. Por mais que eu possa cometer o erro de halo ao amar a Deus, a diferença de posturas entre ciência e espiritualidade é clara pelos próprios postulados, pois embora na mesma reta, partem de pontos opostos no infinito. Uma observa - a outra tem fé. ˾Voltando àquele historiador, notamos na palestra: Tempo, Historiografia e Mundo Líquido - aula inaugural do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal de Uberlândia realizada no dia 13/05/2015. Ele afirma ser unanimidade no pensamento dos historiadores, uma postura contra o positivismo. Fala das propostas positivistas de Auguste Comte e principalmente de Allan Kardec (Hippolyte Léon Denizard Rivail), sua adoção no Brasil e rejeição na França. A semelhança com mensagens psicografadas por espíritos é assustadora. O fato do sinal estar trocado não muda muita coisa. Reconheço no senhor historiador mais elegância, eloquência e um estudioso de fala mais agradável do que o colecionador de observações Richard Dawkins. Contudo, querer questionar fé é absolutamente irrelevante, principalmente em programas de auditório. Volto sempre àquela pergunta inteligente e incisiva de Stephen Hawking no Youtube: porquê você está tão obcecado com Deus? ˾Esse posicionamento contraditório analisando mesmos argumentos é interessante e educativo. Assim, mesmo com muito desconforto vou replicar o texto abaixo de certo padre sobre as consequências de se crer na reencarnação de acordo com sua interpretação. Antes de criticar o texto, tento observar que é bem didático para tratar deste assunto.